Academia Regenerar

Desintoxicar o Fígado

Depois do Inverno surge a necessidade de desintoxicar e de simplificar. De deitar fora o que já não é necessário no sentido de criar leveza e mobilidade. É comum a utilização dos suplementos, chás, super alimentos e sumos “detox”, que ajudam a eliminar o que foi acumulado durante a estação prévia. É semelhante a quem limpa uma casa ou uma divisão, onde o desnecessário foi acumulando durante os três meses de Inverno.

Quando me perguntam o que é bom para desintoxicar, recordo a palestra que um amigo meu deu sobre alimentação. Na plateia, estava uma senhora com excesso de peso e ao seu lado um rapaz magro.

Depois de olhar para o aspeto do rapaz, a senhora não resistiu e fez-lhe uma pergunta:

”- Tem que me dizer o que come para estar assim tão magro”

Ao que o rapaz respondeu:

”- A senhora vai ganhar ainda mais peso se eu lhe explicar como são as minhas refeições”

”- Como é que isso é possível?” – Perguntou admirada.

”- É que a senhora iria comer o que já come agora e ainda mais o que eu lhe iria recomendar.”

Vamos voltar atrás na história em que a maioria da humanidade adoecia por falta de nutrição adequada. Morria-se com alguma frequência de fome e malnutrição. O final das suas vidas era determinado frequentemente por condições de deficiência.

Essa é a razão porque historicamente muitas das abordagens que são conhecidas hoje, destinavam-se maioritariamente a fortalecer a Energia Vital. Eram recomendadas para estados de deficiência e não para estados de excesso. Destinavam-se a adicionar algo que estaria ausente no dia a dia dos seres humanos dessas épocas.

O Kefir por exemplo teve origem no Cáucaso e era inicialmente consumido por pastores que subiam e desciam montes, todos os dias, atrás dos rebanhos. Não para o típico empregado de escritório que, para além de uma alimentação excessivamente calórica, passa o dia todo sentado.

Criou-se assim uma mentalidade ao longo de milhares de anos, de que é necessário adicionar algo para estarmos completos, para termos a saúde ideal, para atingir felicidade, para adquirir equilíbrio, para sermos bonitos, organizados, eficientes e felizes. Existe a falta algo e que esse algo está fora de nós. Cria-se assim um comportamento de acumulação baseado nas experiências humanas de escassez. Ter mais e acumular, é sempre preferível e mais seguro que ter menos e viver com algum grau de incerteza no dia a dia.

Este é um comportamento que tem sido passado de geração em geração e que se intensificou com as duas guerras mundiais do século passado. Criaram uma mentalidade de ainda maior escassez - a todos os níveis.

Quando a “paz chegou” e o mundo deu lugar gradualmente a uma sociedade de consumo, começou a ser possível Ter. Hoje um maior número de pessoas nos países industrializados têm acesso a uma alimentação e a um estilo de vida que não era possível, de todo, no século passado. Um estilo de vida mais rico - mesmo para os mais pobres.

Mas a mentalidade não mudou.

Porque este estilo de vida é muito recente, o sistema nervoso humano ainda vive num registo de escassez. Então é fácil acreditar que é preciso adicionar algo ao que já temos, mesmo quando já temos tudo o que precisamos. E isso aplica-se a todos os níveis da nossa existência.

As necessidades de um Fígado que eram sentidas no início do séc. XX, são portanto diferentes das necessidade de um Fígado no início do séc. XXI.

A sua função continua a ser a mesma, segundo a Medicina Tradicional Chinesa, entre outras, desintoxicar o sangue - especialmente enquanto dorme.

O paradoxo da desintoxicação hoje é o seguinte: se desintoxicação significa eliminar, como é possível eliminar se está constantemente a adicionar mais ingredientes para desintoxicar?

É semelhante a querer renovar o interior de uma casa, adicionando mobília nova, sem tirar a mobília mais antiga.

Quando procura desintoxicar hoje, e porque é mais uma adição às muitas atividades que povoam já o seu dia a dia, corre o risco de facilmente criar uma sobrecarga do seu sistema e acabar por o intoxicar ainda mais.

Tal como na história da senhora com excesso de peso e do rapaz.

A abordagem que proponho aqui não é a que responde à pergunta de corredor: “O que é bom para desintoxicar o Fígado?”, mas antes: “Que comportamentos de desintoxicação podem beneficiar o Fígado?” Não se trata aqui de adquirir mais nada, mas de simplificar o que já tem neste momento.

Comecemos pela hora do Fígado e da Vesícula.

Segundo o “relógio dos órgãos” da Medicina Tradicional Chinesa a Energia Vital da Vesícula e o do Fígado têm um pico de atividade, todos os dias, entre as 23h e as 3h da manhã. O que significa que a esta hora o Fígado possui mais energia para desintoxicar e para renovar o Sangue.
Estar acordado e demasiado ativo a esta hora, priva este sistema de repousar. Ao investir num jantar rico e tardio, a energia que seria para ajudar a regenerar o sangue é investida no processo digestivo. Ingerir alimentos ácidos ou álcool à noite, porque estão perto desta hora, são também menos favoráveis - se deseja criar um Fígado saudável e de promover um descanso adequado.

É a hora que todos os dias podemos escolher nutrir este órgão - ou não.

Retiramos daqui três ideias importantes que influenciam o bem estar do Fígado.

  • A hora a que se deita
  • A hora das refeições e a qualidade de alimentos que ingere ao jantar
  • O consumo de citrinos, álcool e outros produtos recreativos são contraindicados - especialmente à noite das 23h às 3h da manhã

Estas escolhas reflectem-se no dia seguinte na qualidade da sua Energia Vital, na flexibilidade e na capacidade de encontrar soluções criativas a partir do momento em que acorda.

  • A criatividade está relacionado com o Fígado. Este órgão é considerado na Medicina Tradicional Chinesa como o general que planeia os movimentos das tropas. Esta capacidade de planeamento é lesada quando a hora do Fígado não é respeitada. Porque a regeneração diária não aconteceu e o sangue não foi renovado, a mente - que é alimentada pelo sangue, passa de um registo de abertura e criatividade, para um registo mais tenso e fechado, onde facilmente a frustração e estados emocionais mais cáusticos se instalam.

A sensação que a vida não oferece soluções para o que quer realizar torna-se um sentimento frequente. Facilmente outras emoções surgem como a tristeza e a falta de coragem, que impedem os ajustes necessários no sentido do seu propósito de vida. É a sensação que as coisas “não andam”, não evoluem, não germinam. Apetece mesmo gritar ou bater em alguém. É frequente nestas situações o exterior ser culpabilizado pelo nosso temperamento e incapacidade de “dar a volta à vida”. O tempo, as dores, o trânsito, o governo, a família, os vizinhos barulhentos, a poluição ou as teorias de conspiração passam a ser os bodes expiatórios mais comuns.

  • É pelas manhãs que se pode sentir melhor a qualidade do Fígado. Se ao levantar-se possui a energia suficiente para aceitar os desafios que o dia lhe propõe, o General está pronto para expressar a sua energia criativa, arrojada e exuberante de planeamento.

Sabe-se que o Napoleão dormia 5 horas diárias. No entanto, a questão não é quantas horas o Napoleão necessitava para dormir, mas quantas horas cada um de nós como indivíduo necessita para descansar.

Pessoalmente prefiro o exemplo do repórter português Fernando Pessa que religiosamente não passava sem oito horas de sono diárias. Viveu mais de 100 anos - mais 48 que o Napoleão, que morreu aos 52 anos.

  • Os tendões permitem um movimento expansivo e rápido que é característico da Primavera. Os alongamentos em conjunto com alguma prática respiratória criam um corpo e mente mais adaptado à estação. No Terceiro Movimento das Oito Peças do Brocado encontramos um movimento de regularização de todo o sistema digestivo, incluído Fígado, Baço, Pâncreas e Estômago.

Alimentos ácidos criam mais propensão a lesões pois tornam os tendões mais tensos e contraídos.

Quando isto acontece com frequência chegou a altura de trocar o “saudável” sumo de laranja diário por um saudável sumo de maçã ou cenoura. Se Aventura é o seu nome do meio, experimente sopas de vegetais doces logo pela manhã. Este começo de dia hidrata, alimenta e nutre a níveis mais profundos.

A flexibilidade não é apenas um acto físico mas também uma característica mental, ambos estão diretamente relacionados. Alimentos mais ácidos podem ajudar ao foco, mas em excesso fazem a mente “partir” sobre stress, provocando o efeito inverso - a desorientação e irritabilidade.

  • A Primavera é muito semelhante às manhãs quando o despertador toca. Se fizermos uma noitada, o chegar à posição vertical é decerto mais desafiante, assim como o executar das tarefas mais simples.

O Inverno é muito semelhante a uma noite de sono. Se durante o Inverno o descanso não foi o suficiente, custa a aceitar o convite que a Primavera lhe faz: apaixonar-se pela energia de renovação e desenvolver alternativas criativas para os desafios actuais que a sua vida lhe propõe.

A uma estação segue-se à outra e influenciam-se mutuamente. A qualidade com que chegamos ao Verão está diretamente relacionada ao cuidado que é dado ao Fígado na Primavera que por sua vez está relacionado com a qualidade de repouso que foi construído no Inverno.

Assim, podemos resumir esta proposta de simplificação a três aspetos:

  1. Lidar com as estações e com os nossos órgãos é uma questão de generosidade e de honestidade para connosco mesmos. Cuidar do nosso corpo deve ser um acto consciente sem esforço, sem aditivos e sem adiamentos.

  2. Cada acção de simplificação pode fazer diferença, não só na próxima estação mas também no momento seguinte. A melhor altura para tomar estas ações é no aqui e agora. Mesmo que seja um passo minúsculo. 30 minutos a mais de sono podem fazer efectivamente a diferença. Um jantar sem citrinos e sem álcool pode tornar a manhã seguinte totalmente diferente e mais alinhada com o seu propósito de vida.

  3. Abraçar o menor esforço significa que antes de adicionar uma nova receita que promete energia, desintoxicação e bem estar, existe uma reflexão sobre esta pergunta: “O que tenho eu feito pelo meu Fígado para pedir que ele agora faça alguma coisa por mim?”

Boas práticas.


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